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05/06/2017

Pro memoria (345) - Costa, a geringonça, as corporações e o jornalismo de causas

«É um país radioso esse que agora se desenha nas televisões: Catarina Martins transformada numa espécie de holograma surge de cinco em cinco minutos querendo sempre alguma coisa apresentada como indiscutivelmente piedosa: Catarina quer acabar com a fome e logo Catarina sorri compungida para umas crianças sentadas em bancos de escola; Catarina quer mais gastos em saúde e logo os olhos de Catarina surgem redondamente indignados enquanto uma voz off refere “os gastos com os privados” … Do lado do PCP a estratégia é outra: os líderes mantêm-se a recato e quando falam é para atacar a direita, as políticas de direita, os governos de direita e o que de direita este governo ainda não expurgou. Depois Jerónimo manda avançar ou entrar em letargia, Mário Nogueira, Arménio Carlos, Ana Avoila…

António Costa naturalmente vai de férias tranquilo. Contudo quem lhe suceder no cargo ou está preparado para viver todos os dias do ano um calvário superior ao vivido por Passos em 2012 ou estamos tramados, literalmente falando. Porque dia a dia Portugal torna-se um país ingovernável.
Já lá vai a fase em que o governo de Costa tratou de comprar os favores/votos dos funcionários públicos, transformando os serviços estatais em estruturas cujo fim não é prestar serviços mas sim garantirem a si mesmas um conjunto blindado de direitos e privilégios. Que num primeiro momento a “compra” valeu politicamente a pena não se duvida: mediaticamente não mais se morreu nas ambulâncias (nem sequer as sucessivas greves e tolerâncias de ponto no mês de Junho suscitaram qualquer denúncia sobre atrasos nas cirurgias!) e quando um membro do governo entra numa escola ou tribunal (sobretudo aqueles tribunais que reabriram sem qualquer outra função que não essa mesma: fazer de conta que reabriram) só vê sorrisos e felicidade.

Este paraíso só é quebrado quando as mesmas corporações que construíram a paz anunciam que é preciso avançar ainda mais e sobem a parada das exigências e das ameaças. Agora por exemplo temos em cima da mesa ameaças de greves de professores nos dias dos exames e dos enfermeiros aos partos.

Os jornalistas limitam-se a dar conta dos dias em que as greves anunciadas produzirão alterações de serviço. Fazem-no no mesmo registo em que transcrevem um programa de eventos. Ninguém pergunta nada. Por exemplo, em que se traduzirá a criação de regimes especiais de aposentação para professores reivindicada pela Fenprof? Os regimes especiais de aposentação foram e são um dos mais perniciosos vícios da administração pública, um factor de tremendas injustiças e invariavelmente um contornar das regras que se dizem para todos. Aprovar um regime especial de aposentação para um grupo profissional tão numeroso quanto é o dos professores repercute-se fortemente na Segurança Social. Onde estão as contas? Sobretudo que sentido tem a aprovação desse regime quando o factor de sustentabilidade está a fazer adiar a idade da reforma? E vamos continuar como querem os sindicatos a aprovar processos de contratação extraordinária de professores quando o número de crianças continua a baixar?… Ninguém sabe, ninguém que saber. Há que avançar diz Arménio Carlos. E Costa além do sossego na praia quer chegar a Belém e para tal precisa do apoio do BE e do PCP.

Entretanto a máquina estatal torna-se cada vez mais num Estado dentro do Estado, com privilégios blindados e poderes transferidos das chefias para comissões onde manda gente nunca escrutinada – veja-se o caso do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVAP) em que os sindicatos passaram a poder indicar quais trabalhadores que podem ser integrados.»

Excerto de «António Costa vai de férias para onde? E vai sozinho?», Helena Matos no Observador

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom texto de Helena Matos. A recomendar e a divulgar.

Unknown disse...

Simplesmente repugnante, a quase totalidade dos meios de comunicação cá da paróquia.