Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

16/04/2024

Um semanário incompetente deu um tiro no seu próprio pé quando queria dar um tiro no pé do governo chico-esperto, tiro supérfluo porque o governo o havia antecipado

A estória parece complicada mas é simples. O Dr. Montenegro anunciou uma redução do IRS neste ano de 1.500 milhões (o que é verdade) e omitiu que o orçamento aprovado pelo PS já incluía uma redução de 1.300 milhões, pelo que a redução da responsabilidade do governo AD era de apenas 200 milhões.

aqui zurzi a incompetência do semanário de referência que publicou na primeira página um título completamente falso sobre a duplicação da descida do IRS, incompetência a que o director somou má-fé ao desculpar-se com o governo,   

Também já tinha apontado o dedo à aparentemente deliberada pouca clareza do Dr. Montenegro a que acrescento agora a incompetência na gestão da comunicação ao admitir que a sua chico-espertice iria passar desapercebida a uma oposição impaciente que, apesar da também óbvia incompetência, conta com a preciosa ajuda de pelotões de jornalistas de causas e de opinion dealers que em vez escrutinarem as acções do governo fazem backup às falhas da oposição com a maior falta de independência e de objectividade.

Acrescento ainda, desengane-se quem imagina que o importante é o conteúdo e que a comunicação é secundária, para não dizer irrelevante. Se um governo, nomeadamente um primeiro-ministro, não tem competência para comunicar, o que sempre foi grave, é desastroso no mundo mediático em que estamos mergulhados, e, no caso de um governo ideologicamente desalinhado com a turba que habita as redacções (reforçada com o humor de causas do humorista mais popular no activo), é mortal. 

E a incompetência na comunicação é uma das marcas dos governos PSD que fica mais visível por causa do desalinhamento com a opinião publicada. Para ficar por um só exemplo, o slogan de Passos Coelho "para além da troika" (ler aqui o que o outro contribuinte escreveu há quase dez anos e este contribuinte subscreve), para além de não corresponder à verdade, deu lenha à esquerdalhada para torrar o governo perante um eleitorado que adora vitimizar-se.

15/04/2024

Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa (2)

Continuação das Crónicas: «da anunciada avaria irreparável da geringonça», «da avaria que a geringonça está a infligir ao País» e «da asfixia da sociedade civil pela Passarola de Costa» e do «Semanário de Bordo da Nau Catrineta».

Agora que o governo do Dr. Costa já se retirou não será excessivo esgravatar as sequelas da sua governação?

Se adoptar o critério do Dr. Costa que após oito anos de governação ainda se desculpava com o governo anterior, seguramente não é demasiado. Sossegai, porém, porque não tenho o propósito nem a pachorra para mais do que umas quantas sequelas.

Tirou-me as palavras da boca

«É mesmo estranho ouvir quem teve 3050 dias para resolver tantos problemas estar agora a incitar o Governo a fazê-lo em 60», disse o Dr. Montenegro comentando a carta aberta do Dr. Pedro Nuno e esquecendo que isso é apenas mais um expediente de quem andou esses mesmos 3050 dias a queixar-se da herança.

A Dr.ª Marisa também me tirou as palavras da boca...

... ao comentar a carta do Dr. Pedro Nuno sobre as medidas que esperava que o Dr. Montenegro adoptasse nos próximos 60 dias, a deputada berloquista considerou «curioso que parece que haja agora uma descoberta de que afinal há condições e condições orçamentais». 

Um dos problemas que o Dr. Pedro Nuno incita o governo a resolver...


Não me admiraria que o PS também quisesse reduzir os ajustes directos...

... que o ano passado representaram quase metade dos contratos públicos, representando um aumento de 1% do número de 8% do valor.

Durante vários anos teremos de circular na autoestrada mexicana do investimento público

Esta é uma das sequelas mais duradouras da herança costista que resultou de apresentar défices baixos ou mesmo superávits (política a que ele chamou "contas certas") à custa da redução continuada da execução do investimento público disfarçada com as habilidades aqui descritas. Desde 2011 até 2022, segundo a estimativa de Ferreira Machado, o stock de capital fixo do Estado reduziu-se cerca de 14.000 milhões de euros, o equivalente a 5% da dívida pública.

O buraco do BES é outra sequela da parceria DDT-Animal Feroz 

Desde 2014 o pletórico passivo resultante da resolução de BES vem crescendo e atingiu 7.400 milhões de euro, o triplo do valor inicial.

Choque da realidade com a Boa Nova

Lembram-se do futuro risonho que o governo do Dr. Costa, principalmente pela boca do Dr. Galamba, augurava ao hidrogénio verde em Sines? Caso a memória não ajude, podem refrescá-la na série de posts «O balão de hidrogénio do Dr. Galamba ou mais um elefante branco a caminho». Fast rewind e chegamos a 2024 e o consórcio Engie-Shell anuncia o cancelamento do projeto de hidrogénio verde em Sines.

E os "cofres cheios" não são uma boa herança?

Não, não são. Já aqui lembrei que o excedente de 3,2 mil milhões só existiu em consequência do excedente de 5,5 mil milhões da Segurança Social, que não é excedente nenhum porque terá de ser afectado às reservas para garantir a sustentabilidade a longo prazo. Na verdade, sem a Segurança Social as contas da administração pública apresentaram défices: 2.329 milhões de euros na administração central e de 147,8 milhões na administração local.

Fonte
E, para fim de conversa,  acrescento agora que um excedente não é cofre nenhum e a única coisa que vagamente se poderia considerar como tal são os depósitos em bancos das administrações públicas que em percentagem do PIB são hoje mais baixos do que em 2014 (estimativas de Óscar Afonso).

14/04/2024

ARTIGO DEFUNTO: O "semanário de referência" chama embuste e fraude do governo à sua própria incompetência

A qualquer pessoa que tenha seguido com um módico de atenção as medidas de redução do IRS anunciadas pelo governo, deveria ser evidente que o título bombástico na primeira página do semanário de reverência só poderia ser um disparate (ou talvez não, o que seria ainda mais grave).

De facto, o que o Dr. Montenegro disse no parlamento, que o próprio Expresso cita na sua página 6, foi
«É a ‘medida popular’ por definição e custa aos cofres do Estado 1500 milhões de euros, para ajudar a “libertar os portugueses do excessivo fardo fiscal”, como disse Montenegro na apresentação do programa de Governo, esta quinta-feira no Parlamento
Em lado algum, a não ser no título do Expresso, o Dr. Montenegro é citado a dizer que «duplica a descida do IRS» e parecia claro para toda a gente, excepto para o Expresso, que os 1.500 milhões de euros era a montante total da redução em relação ao ano passado, o que inclui a redução já prevista no OE 2024 apresentado pelo governo PS.  

Poderá dizer-se que o Dr. Montenegro, fazendo o que costuma fazer o PS, se exprimiu com pouca clareza não explicitando que cerca de 1.300 milhões dos 1.500 milhões já estavam no OE 2024? Pode dizer-se certamente e competiria o Expresso repor as coisas na sua dimensão. Não o fez e, perante a grossa asneira do título que não tem pés nem cabeça, em vez de se retratar e pedir desculpa pela sua incompetência, publicou uma Nota do director com o título «É mais do que um embuste. É enganar os portugueses» em que desmente o que publicou e atribui a um embuste e fraude do governo o que resulta da sua própria incompetência.

Foi com essa reacção despropositada e mistificadora que o Expresso tentou limpar a sua folha ao ver-se alvo do tiro de barragem do PS pelo título que de facto parecia saído de um gabinete de agitprop. Para quem se intitula semanário de referência não está mal.

13/04/2024

O Novo Império do Meio numa encruzilhada. Capitalismo e autocracia não combinam bem

«É o teste económico mais grave da China, desde que a mais abrangente das reformas de Deng Xiaoping começou na década de 1990. No ano passado, o país alcançou um crescimento de 5%, mas os pilares do seu milagre de décadas estão a vacilar. A sua famosa força de trabalho industriosa encolhe, o boom imobiliário mais selvagem da história desmoronou-se e o sistema global de livre comércio que a China usou para enriquecer está desintegrar-se. (...) a resposta do presidente Xi Jinping é dobrar a aposta com um plano audacioso para refazer a economia da China. A mistura da tecno-utopia, planeamento central e obsessão por segurança define a ambição da China de dominar as indústrias do futuro. Mas as suas contradições significam que decepcionará o povo da China e irritará o resto do mundo.

Em comparação com 12 meses atrás, sem falar nos anos anteriores, o clima na China é amargo. Embora a produção industrial tenha crescido em Março, os consumidores estão deprimidos, a deflação espreita e muitos empresários estão desiludidos. Por trás da angústia estão temores mais profundos sobre as vulnerabilidades da China. Prevê-se uma redução de 20% de sua força de trabalho até 2050. Uma crise no sector imobiliário, que movimenta um quinto do PIB, levará anos para ser corrigida. Isso prejudicará os governos locais sem dinheiro que dependiam da venda de terras para obter receitas e do sector imobiliário florescente para crescer.  (...)

A resposta da China é uma estratégia construída em torno do que as autoridades chamam de "novas forças produtivas". Isso evita o caminho convencional de um grande incentivo ao consumidor para estimular a economia (esse é o tipo de artifício ao qual o decadente Ocidente recorre). Em vez disso, Xi quer que o poder do Estado acelere as indústrias de manufatura avançadas, o que, por sua vez, criará empregos de elevada produtividade, tornará a China autossuficiente e a protegerá contra a agressão americana. A China vai saltar do aço e dos arranha-céus para uma idade dourada de produção em massa de carros elétricos, baterias, bioindústria e a "economia de baixa altitude" baseada em drones. (...)

No entanto, o plano de Xi está fundamentalmente equivocado. Uma falha é que negligencia os consumidores. Embora o consumo supere a propriedade e as novas forças produtivas, conta apenas 37% do PIB, muito abaixo das padrões globais. Para restaurar a confiança no meio de uma crise imobiliária e, assim, aumentar os gastos do consumidor é preciso um estímulo. Induzir os consumidores a poupar menos requer uma melhor segurança social e cuidados de saúde, bem como reformas que abram os serviços públicos a todos os migrantes urbanos. A relutância de Xi em adoptar isso reflete a sua mentalidade austera. Ele detesta a ideia de socorrer empresas imobiliárias especulativas ou dar subsídios aos cidadãos. Os jovens deveriam ser menos mimados e dispostos a "comer amargura", disse ele no ano passado. (...)

Se essas falhas são óbvias, por que não muda a China de rumo? Uma das razões é que Xi não escuta. Durante grande parte dos últimos 30 anos, a China esteve aberta a visões externas sobre reformas económicas. Os seus tecnocratas estudaram as melhores práticas globais e acolheram debates técnicos vigorosos. Sob o governo centralizador de Xi, os especialistas económicos foram marginalizados e o feedback que os líderes costumavam receber transformou-se em bajulação. A outra razão que Xi invoca é que a segurança nacional agora tem precedência sobre a prosperidade. A China deve estar preparada para um conflito no futuro com os Estados Unidos, mesmo que haja um preço a pagar. É uma mudança profunda em relação aos anos 1990 e seus efeitos nocivos serão sentidos na China e em todo o mundo.»

«Xi Jinping’s misguided plan to escape economic stagnation»

12/04/2024

Ser de esquerda é... (27) - ... é reagir a Passos Coelho (ou Cavaco Silva) como o cão de Pavlov reagiu ao badalo

Não fiquei surpreendido pela reacção da comentadoria do regime e do jornalismo de causas à última intervenção pública de Pedro Passos Coelho (PPC). Afinal, cada vez que ele ou Aníbal Cavaco Silva escrevem ou dizem seja o que for, sobre seja o que for, segue-se o mesmo ulular indignado e raivoso. A explicação talvez seja mais do domínio do psicopatológico do que do político. 

Quando percebi que, desta vez, o móbil da indignação era o pensamento de PPC sobre a família, fiquei curioso e fui ler a intervenção que a motivou. Encontrei um texto equilibrado, inspirado numa visão tolerante, com ideias relativamente redondas e, por isso, consensual para uma grande maioria das pessoas que não vivem dentro da bolha mediática largamente esquerdista e estreitamente geográfica. Premonitoriamente PPC antecipa as reacções habituais: «há rótulos que são colocados com uma intenção clara de desqualificar aqueles que lançam as discussões, de os diminuir e de os condicionar». 

O que teria incendiado a esquerdalhada para além da conhecida reacção pavloviana? Haverá sem dúvida outras questões («questões da segurança e da imigração», «os símbolos da República», «a sovietização do ensino», «ajudar as pessoas a morrer») que não terão deixado de irritar a bolha, mas suspeito que a passagem seguinte lhes tocou no nervo. 

«Que nós sabemos que não há um único conceito de família e, historicamente falando, a família não teve sempre a mesma configuração ao longo do tempo. Essa configuração foi evoluindo com a sociedade. Mas se a família, de certa maneira, representa o primeiro espaço de socialização, julgo que hoje haverá um amplo consenso em torno desta minha afirmação, julgo.

A família é primeiro espaço de socialização. E, nessa medida, portanto, de transmissão de valores, de exemplos, que numa geração para outra geração vai dando continuidade a um destino coletivo. Nessa medida, portanto, podemos dizer que a família antecede o Estado, evidentemente, e dificilmente se pode entender de uma forma separada da sociedade em si mesma. 

(...) uma instituição que, de resto, é insubstituível. Não há ninguém, nenhuma outra instituição, que possa substituir a família. Os substitutos são imperfeitos.»

E porquê? Porque, pelo menos desde "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado" de Engels, que a escreveu como uma espécie de ghostwriter de Marx, que o marxismo clássico vê a família monogâmica heterossexual, uma instituição de origem espontânea, como um instrumento de perpetuação da propriedade privada e um obstáculo ao primado do Estado Comunista que nos conduzirá ao paraíso da sociedade sem classes. É claro que, com a falência e o descrédito do marxismo clássico, o neo-marxismo teve de reinventar essas ideias, reformular o vocabulário e a sintaxe mas o propósito de destruir o Estado Capitalista permanece o mesmo e para tal é um passo indispensável "desconstruir" a família monogâmica heterossexual e banir o "heteropatriarcado".

Outros "Ser de esquerda é..."

11/04/2024

Demasiado de uma coisa boa pode não ser bom

Escreveu o Expresso há dois dias:

«Há 15 dias consecutivos que o preço diário da eletricidade em Portugal e Espanha está abaixo dos 10 euros por megawatt hora. É uma série inédita. Há largas horas de preço zero, como esta terça-feira. Há produtores a operar com perdas. E as centrais fotovoltaicas passaram a ter de cortar a produção em alguns períodos, desperdiçando o recurso solar.»

E explicava:

«Habitualmente os preços negativos ocorrem quando há uma disponibilidade particularmente alta de eletricidade que não é armazenável e cujo custo marginal é nulo, e quando, ao mesmo tempo, há produtores que preferem durante algumas horas pagar para continuar a produzir (porque o custo de parar e voltar a arrancar as centrais um pouco depois pode ser mais elevado).»

Este enorme desperdício resulta de uma política energética do PS (e do PS-D) desenhada para sacar fundos europeus, recompensar os lóbis da energia e fazer agitprop ambientalista, em vez de optimizar os recursos existentes, equilibrando a produção das energias convencionais e das renováveis (que são por natureza intermitentes).

10/04/2024

A indiferença da Rússia de Putin aos desastres militares é ainda maior do que a da URSS do PCUS

Fonte (*)

Comparativamente com Chechénia, Afeganistão e Ucrânia antes da invasão de Fevereiro de 2022, a guerra actual na Ucrânia é incomparavelmente mais mortífera. Se uma guerra no Afeganistão, onde em 12 anos "apenas" morreram 15 mil russos, levou a liderança comunista a decidir a retirada gradual em 1987, os 5 a 6 vezes mais mortos em um quarto do tempo da "operação especial" mostram que o valor das vidas russas para o czar Vladimiro é ainda menor do que para os líderes soviéticos.

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(*) Estimativa pela Economist do número de soldados russos na Ucrânia até ao final de Fevereiro com base nos dados da Mediazona e Meduza dois mídia independentes que utilizam os obituários públicos e registos oficiais de heranças.